Não venho falar-vos de positividade. Nem de arco-íris ou de amor em confinamento. Vou atirar o meu balde de realidade fria para cima de tudo o que está a acontecer por todo o mundo. Pouco gente sabe, mas o que me sobra em curiosidade obsessiva escasseia em paciência. Quando não sei o que irá acontecer e não consigo controlar viro-me para o que posso e sei fazer, sem dramas. E no caminho aproveito o que me é oferecido na altura. Agora, sobretudo, mais tempo, muito mais tempo.
E assim retomo, com uma secreta excitação misturada com culpa, o que fui adiando na voragem dos dias do antes.
Acho que nasci com esta tendência para imaginar cenários caóticos e situações de carência e aprender formas de sobreviver a acontecimentos imprevisíveis como se estivesse a criar uma eremita auto-suficiente ou em luta permanente contra o tédio. Sim, também considerei a invasão da Terra por extra-terrestres.
No fundo, continuo a fazer tudo o que fazia mas agora de forma um pouco mais relaxada e melhor focada. Construo o meu bunker privado de sobrevivência emocional e física para mim e os meus (na medida que eles me vão permitindo) como já o fazia, mas agora numa espécie de recreio sem culpas e angústias.
Imagino que, quando tudo isto terminar, todos irão mudar as queixas e lamentar a falta do tempo que lhes foi oferecido, como se os ponteiros de todos os relógios tivessem sido temporariamente atacados por uma pandemia boa.
Não fosse a necessidade de sentir um conforto económico básico para conservar a sanidade mental até esta insegurança nos ensinaria a cultura do desapego material. A vida moderna lixou-nos as prioridades.
Posto isto, e porque não consigo simular sofrimento com um copo de vinho na mão encenando um ar ligeiramente rive gauche como se tudo fosse uma grande maçada sigo em frente a exaltar aquilo que mantém a humanidade viva desde sempre. O maravilhoso mundo da alimentação.
E hoje o almoço da família foi este. Usei farinhas que já tinha em casa. Mas podem fazer as substituições e combinações que entenderem.
Bolo de alheira e legumes
80 g de farinha de espelta
40g de farinha de arroz
80 g de flocos de milho
20 g de araruta (pode usar-se amido de milho)
2 alhos picados
1 alheira de cogumelos shitake
1/2 curgete cortada em cubos
1 cenoura ralada
100 ml de azeite
220 ml de água a ferver
1 colh de sopa de fermento
Salsa picada
sal qb
40g de farinha de arroz
80 g de flocos de milho
20 g de araruta (pode usar-se amido de milho)
2 alhos picados
1 alheira de cogumelos shitake
1/2 curgete cortada em cubos
1 cenoura ralada
100 ml de azeite
220 ml de água a ferver
1 colh de sopa de fermento
Salsa picada
sal qb
Pre-aquecer o forno a 180°. Levar o alho a aromatizar numa frigideira com um pouco de azeite sem queimar. Juntar a cenoura e de seguida a curgete. Retirar o revestimento da alheira e esfarelar completamente com um garfo. Adicionar aos legumes e saltear envolvendo bem. Retirar do lume e envolver com as farinhas numa taça juntando salsa picada. Adicione a água a ferver e de seguida o azeite misturando tudo muito bem. No final junte o fermento e envolva no preparado. Colocar numa forma untada ou forrada com papel vegetal e levar a cozer cerca de 40 minutos.