O vírus que acordou o meu monstro adormecido

6.4.20


Não venho falar-vos de positividade. Nem de arco-íris ou de amor em confinamento. Vou atirar o meu balde de realidade fria para cima de tudo o que está a acontecer por todo o mundo. Pouco gente sabe, mas o que me sobra em curiosidade obsessiva escasseia em paciência. Quando não sei o que irá acontecer e não consigo controlar viro-me para o que posso e sei fazer, sem dramas. E no caminho aproveito o que me é oferecido na altura. Agora, sobretudo, mais tempo, muito mais tempo.
E assim retomo, com uma secreta excitação misturada com culpa, o que fui adiando na voragem dos dias do antes. 
Acho que nasci com esta tendência para  imaginar cenários caóticos e situações de carência e aprender formas de sobreviver a acontecimentos imprevisíveis como se estivesse a criar uma eremita auto-suficiente ou em luta permanente contra o tédio. Sim, também considerei a invasão da Terra por extra-terrestres.
No fundo, continuo a fazer tudo o que fazia  mas agora de forma um pouco mais relaxada e melhor focada. Construo o meu bunker privado de sobrevivência emocional e física para mim e os meus (na medida que eles me vão permitindo) como já o fazia, mas agora numa espécie de recreio sem culpas e angústias.
Imagino que, quando tudo isto terminar, todos irão mudar as queixas e lamentar a falta do tempo que lhes foi oferecido, como se os ponteiros de todos os relógios tivessem sido temporariamente atacados por uma pandemia boa.
Não fosse a necessidade de sentir um conforto económico básico para conservar a sanidade mental até esta insegurança nos ensinaria a cultura do desapego material. A vida moderna lixou-nos as prioridades.
Posto isto, e porque não consigo simular sofrimento com um copo de vinho na mão encenando um ar ligeiramente rive gauche como se tudo fosse uma grande maçada sigo em frente a exaltar aquilo que mantém a humanidade viva desde sempre. O maravilhoso mundo da alimentação.






E hoje o almoço da família foi este. Usei farinhas que já tinha em casa. Mas podem fazer as substituições e combinações que  entenderem.



Bolo de alheira e legumes

80 g de farinha de espelta
40g de farinha de arroz
80 g de flocos de milho
20 g de araruta (pode usar-se amido de milho)
2 alhos picados
1 alheira de cogumelos shitake
1/2 curgete cortada em cubos
1 cenoura ralada
100 ml de azeite
220 ml de água a ferver
1 colh de sopa de fermento
Salsa picada
sal qb
Pre-aquecer o forno a 180°. Levar o alho a aromatizar numa frigideira com um pouco de azeite sem queimar. Juntar a cenoura e de seguida a curgete. Retirar o revestimento da alheira e esfarelar completamente com um garfo. Adicionar aos legumes e saltear envolvendo bem. Retirar do lume e envolver com as farinhas numa taça juntando salsa picada. Adicione a água a ferver e de seguida o azeite misturando tudo muito bem. No final junte o fermento e envolva no preparado. Colocar numa forma untada ou forrada com papel vegetal e levar a cozer cerca de 40 minutos.
 



Ovo de colombo

26.7.18
Silenciosamente 
Sem um cacarejo
a Noite põe o ovo da lua

Mário Quintana



Quando a mente é assombrada diariamente por um carrossel alucinado de ideias, the sky is the limit. A questão está em saber transformá-las em ovos fecundados e não em popping eggs metafóricos.
Quando me perguntavam há uns largos anos atrás, porque tinha optado pela alimentação vegetariana costumava dizer que a minha escolha fora motivada por razões éticas (respeito pela vida animal), ecológicas (impacto das minhas escolhas na sustentabilidade do planeta) e de saúde, por esta ordem.
Com o passar dos anos passei a admitir que o meu amor à arte e criatividade em todas as vertentes da vida me conduziriam inevitavelmente por este caminho.





Em matéria de alimentação vegetariana nada é impossível. A tradição é sempre discutível. O conhecimento dos alimentos e a experimentação dos seus efeitos de uma forma holística é fundamental.

A expressão "não se fazem omeletas sem ovos" não faz o menor sentido neste contexto.

Vamos assim assumir que o ovo, entendido em termos latos como "aquilo que constitui o príncipio de algo" pode ser construído a partir de uma simples ideia...por exemplo, um simples grão de bico e umas pitadas de kala namak.

Exultem os amantes de ovos, alegrem-se as galinhas porque esta alternativa  é bombástica.

Leguminosas ao poder, libertem-se as capoeiras.


 Aqui vai a receita com imagens do making of de

OMELETAS DE GRÃO

1 chav (110g) farinha de grão
1 colher sopa levedura nutricional (opcional)
1 colher chá de kala namak ( sal preto)* ou normal
1/2 colh chá cominhos
1/2 colh chá tomilho seco
1/4 colh chá alho em pó
1/4 colh chá paprika fumada
1/4 colh chá turmérico
1/8 colh chá pimenta preta
1/2 chav (155ml) água + 2 colh de sopa separadas
1 colher chá de azeite
2 chav (140g) de cogumelos laminados
2 chav de couve (60g) ou curgete ou espinafres ( ou restos de outros legumes cozinhados)
1/2 chav (50g) de tomates secos picados
1/4 chav (25g) cebolinha picada (só parte branca)
Azeite qb para cozinhar


Juntar numa taça a farinha de grão, a levedura, o sal preto, cominhos, tomilho, alho em pó, paprika , turmérico e pimenta. Envolver tudo. Adicionar a 1/2 chávena de água e mexer . Adicionar a restante água pouco a pouco ( ou mais, se necessário) até obter a consistência de massa de panquecas. Reservar.
Saltear os cogumelos em azeite, juntar a curgete ( ou outro vegetal) e o tomate seco picados ( não uso) e confiar a mexer alguns minutos até a curgete amolecer ligeiramente. Juntar a mistura da farinha. Adicionar salsa picada ( a erva portuguesa 😊).






Aquecer uma frigideira com azeite em lume médio. Deitar pequenas quantidades ( se quiser um formato de pataniscas ) ou grandes ( se optar pelo formato de omeleta) e cozinhe durante cerca de 3 minutos de cada lado usando uma espátula para virar.
Podem ser feitas com antecedência e reaquecidas posteriormente. Conservam-se durante 1 a 2 dias no frigorífico.



Podemos optar pelo formato de pataniscas


Ou fazer maiores e enrolar como as omeletas

Loucos, tremoços e a viagem existencial do Kerouac

4.7.18

“Mas nessa época eles dançavam pelas ruas como piões frenéticos e eu  arrastava-me na mesma direção como tenho feito toda minha vida, sempre rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo agora, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício explodindo como constelações em cujo centro fervilhante – pop! – se pode ver um brilho azul e intenso até que todos ‘aaaaaaah!’.”
On the road – Jack Kerouac


Embora soe um pouco improvável a ligação do Jack Kerouac ao nosso tão português tremoço esta foi descoberta depois de ter encontrado um frasco de tremoços que guardo sempre para emergências culinárias na minha despensa , local para onde viajo com frequência e me permite deambular existencialmente na minha cozinha. Sim, é agora  que vem a parte do...louco/a :).

Para quem já leu este tão célebre livro que fala de uma viagem ao interior do ser humano consegue perceber porque muitas vezes nem sequer é preciso andarmos numa estrada para fazermos viagens de encontro a nós próprios.

Esta moda de esgrimir palavras misturadas com refogados de cebola ajuda-nos a deambular e a dar significado ao aparentemente mecânico acto quotidiano de cozinhar.




Hamburgueres de tremoço
  • 350 gramas de tremoços cozidos
  • 1 batata doce média  (usei as de polpa laranja- as minhas preferidas)
  • azeite
  • linhaça moída (3 colh de sopa)
  • farinha de aveia
  • 2 alhos franceses
  • 3 dentes de alho
  • levedura nutricional (ou levedura de cerveja)
  • sal e pimenta
  • salsa picada

Cozer a batata doce com casca em água a ferver. Depois de cozinhada  (espetar com um garfo para verificar a consistência) cortar ao meio e retirar a polpa com a ajuda de uma colher transferindo-a para uma taça. Cortar os alhos franceses longitudinalmente e laminar em meias luas. Levar a saltear em azeite com os dentes de alho picados. Reservar. Descascar os tremoços (previamente demolhados em várias águas para retirar o excesso de sal) e processar num robot de cozinha, acrescentando um pouco de azeite e água suficiente até obter um creme macio mas não líquido. Transferir este creme para uma tijela grande e adicionar o alho francês salteado com o alho, a polpa da batata doce a farinha de linhaça, a levedura nutricional e a salsa picada. De seguida acrescentar a farinha de aveia aos poucos até conseguir obter a consistência adequada para moldar hamburgueres.
Deixar o preparado descansar cerca de 30 minutos no frigorífico para adquirir uma consistência mais forme (nem sempre é necessário). Forme bolas de dimensões aproximadas e achate-as com as mãos. para dar a forma pretendida. Pincele o fundo de um tabuleiro de forno com azeite ( use papel vegetal para evitar que cole ao fundo) e coloque lá os hamburgueres e pincele também com um pouco de azeite. Leve ao forno pré-aquecido a 180º cerca de 20 a a 25 minutos.
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